Centennial Theatre Center

Ah, o Centennial... Antes mesmo de pisar no teatro Sartrè pode sentir o cheiro característico do local. São tantas memórias, tantas histórias que ela logo se vê perdida em lembranças. Como a apresentação de vários artistas locais em uma mesma noite e na vez em que trouxe uma jovem, Bridgitte, e a dopou na festa após o espetáculo. O espetáculo de agora não parece tão brilhante para a atriz, como atriz, soando mais como uma tentativa desesperada de um empresário para alavancar a carreira de sua – fraca – pupila. Muito por conta disso é que Angelina atrasou sua chegada, sequer conseguindo perceber os aplausos finais. A maior parte das pessoas seguia para o lounge próximo ao bar onde a confraternização havia se estabelecido.

Aquela era uma pequena reunião entre atores, empresários e admiradores das artes cênicas e de seus protagonistas. Havia um clima de finesse no ar, um pouco diluído pela presença de uma ou outra pessoa de aparência mais humilde. Todos se davam bem e a conversa fluía maravilhosamente. A senhorita Sartrè foi requisitada algumas vezes para conversas privadas regadas a elogios, puxa-saquismo e futilidades, tendo se comportado como manda a etiqueta: solícita, educada e sorridente.

À certa altura, depois que muita socialização havia sido feita, Sartrè pede licença às pessoas que com ela conversavam para poder, segundo as suas próprias palavras, “matar a saudade daquele covil”, arrancando ligeiras gargalhadas do grupo. Ela caminha pelo local deslizando a mão pelos objetos, carregada de um saudosismo antecipado. Há apenas alguns dias ela encenava peças no palco principal; agora, sequer sabe se um dia voltará a pisar em qualquer palco que fosse. Talvez estivesse sendo dramática demais, afinal, as apresentação são sempre noturnas. Mas a verdade é que seria uma árdua tarefa conciliar uma agenda profissional com uma sobrenatural. Em breve deveria ter que fazer uma escolha.

Ao chegar no camarim ela se detém. Lembra de como era fácil, rotineiro até, conseguir usar substâncias naquele pequeno cantinho de segredos. Uma vontade imensa de reviver aquelas sensações arrebata Angelina. Ah, se pudesse sentir aquilo de novo em suas veias... Ela fecha os olhos, inclina a cabeça para o alto e arranha seu pescoço com as unhas de baixo para cima, em uma demonstração da ansiedade que sente. Solta um gemido crescente que termina em um grito seco, abafado. Ainda segurando seu próprio pescoço Angelina olha para um lado, olha para o outro, e não encontra como solucionar seu pequeno problema. Quando tivesse que se alimentar, de certo que precisaria de sangue vicioso repleto de substâncias. Por ora, teria que afastar tais pensamentos e se concentrar nos planos da noite.

Trouxera consigo outro telefone “seguro”. Checa nas mensagens da caixa de voz se havia algum recado do cara a quem havia pedido um favor. Nada. Teria que esperar pelos seus convidados especiais da noite: algumas pessoas de influência ou capacidades para lhe ajudar a começar sua tarefa. Havia distribuído ligações, mensagens, e-mails e recados para tais pessoas, oferecendo uma oportunidade de negócios única. O local marcado para o encontro era o camarim do Centennial. Angelina não dá ponto-sem-nó.

Desde sete anos atrás, quando se deu "aquela noite maldita", como Nicolae costumava dizer em seus pensamentos, era muito difícil tirar sua esposa Maria de casa depois do pôr do sol. Desta vez, ele havia conseguido. Maria tem gosto e sensibilidade para todas as artes, então Nicolae conseguiu convencê-la a ir ao teatro com ele e mais um casal de amigos.

Ele mesmo está longe de ser um amante das artes, e o pouco que sabe sobre o assunto é o que conseguiu reter da convivência com Maria. Mesmo assim, houve tempo em que Nicalae sentia um grande prazer de ouvir Maria falar sobre arte. "Every little thing she does is magic", dizia a velha canção. Atualmente, porém, esse prazer já havia desaparecido quase completamente.

O pior é que Maria não havia gostado nada da peça daquela noite. Após a sessão, voltaram para o saguão do teatro, onde ela se pôs a fazer críticas pesadas à peça para Nicolae e o casal. Ele ficou impaciente com aquela conversa, pois tinha planos para após o espetáculo. Quando o casal que os acompanhava sugeriu que fossem continuar a conversa num restaurante, Nicolae concordou, mas propôs que, antes, fossem até a área dos camarins, pois ele havia ficado sabendo por um cliente que Angelina Sartrè estaria lá para uma reunião um tanto especial.

Ele havia calculado que Maria, apreciadora do trabalho dessa atriz, iria gostar da oportunidade de conversar pessoalmente com ela. Não foi o caso. Ela disse que estava cansada, que não queria mais saber de teatro por aquela noite, e que também não queria jantar fora. Nicolae tentou convencê-la a fazer uma concessão por ele, tendo em vista que estava interessado em participar da dita reunião. Ela estranhou o interesse dele em falar com uma atriz e insistiu para irem embora logo. Nicolae reconheceu que se tratava de uma reunião que poderia ser útil para os seus negócios…

- Nico! Eu não acredito que você vai fazer uma reunião de negócios a essa hora da noite! Você só pensa em trabalho. E eu achando que era pela minha companhia que você quis ver essa peça bisonha…

Ele não desejava discutir com ela, mas também não queria enfiar-se em casa sabendo que ela estava de mau humor e prestes a cair naquele estado de desânimo que a acometia duas ou três vezes por semana. Como ela se recusava a dirigir à noite e não queria jantar fora, combinaram que o casal de amigos a levaria para casa enquanto Nicolae faria uma rápida visita ao camarim de Sartrè.

Ele se dirigiu para lá sentindo um grande alívio por poder contar com a compreensão e solicitude daquele casal, já que fizeram o favor de levá-la embora sem qualquer censura à decisão dele de ficar. Mas ele não sabia o que esperar daquela tal reunião. À primeira vista, uma atriz de teatro nada teria a oferecer a um empresário especializado em consultoria financeira e de negócios. Contudo, um dos clientes da empresa dele disse que havia recebido um convite para essa reunião e que soubera de boas fontes que podia ser interessante, embora sem dar nenhum detalhe do porquê dessa avaliação. Como não poderia ir, em função de problemas pessoais, aconselhou Nicolae a comparecer no seu lugar.

Ao entrar no camarim, a impressão dele não foi das melhores. Os poucos ali presentes até aparentavam ser gente do meio empresarial, mas ninguém que ele conhecesse pessoalmente ou por renome na área. Mas reconheceu Sartrè, é claro, porque já tinha visto algumas peças com ela, acompanhando Maria.

Preferiu não ir direto falar com a anfitriã. Circulou um pouco, distribuindo sorrisos discretos e cumprimentos formais. Serviu-se de um pouco de amendoim e de uma dose de uísque com gelo, ofertados aos presentes numa pequena mesa de copa a um canto. "Esse uísque não é grande coisa… Será que entrei numa furada?". Decidiu que já havia tirado impressões suficientes da situação e, assim, foi falar com Sartrè.

- Boa noite. Meu nome é Nicolae Cioran. Eu não fui convidado para esta pequena reunião, mas vim aqui por recomendação de um cliente meu, que opera no setor imobiliário. Ele me avisou que não poderia vir e eu fiquei um tanto curioso sobre quais oportunidades de fazer dinheiro poderiam surgir de uma reunião organizada nos fundos de um teatro. É que eu não sou do ramo de espetáculos, sabe? Ainda assim, como ele recomendou que eu viesse, juntei a curiosidade com o desejo de testar meu senso de oportunidade.

Achou-a mais bonita e mais pálida vista de perto do que quando estava no palco. Ele falava olhando para ela com um sorriso simpático, mas emoldurado por uma expressão um tanto fria. Não alimentava grandes expectativas com aquela reunião. Mas, na pior das hipóteses, poderia enrolar por uma ou duas horas antes de ir para casa pajear uma mulher há sete anos com depressão.

Sartrè permaneceu dezesseis minutos – conferidos no relógio do telefone – dentro do seu camarim sem que ninguém lhe abordasse. Já estava há um bom tempo afastada da confraternização e sua ausência logo seria sentida, então decidiu retornar para junto das pessoas. Notou logo de cara que havia um homem bem vestido que não estava lá anteriormente. Os dois trocaram alguns olhares de reconhecimento antes que ele decidisse se aproximar com aquele sorriso frio característico de advogados e homens de negócio.

- Boa noite, disse-lhe em resposta enquanto ouvia com atenção o restante da apresentação.

Angelina havia falado com algumas pessoas em quem confiava sobre “oportunidades de negócios”. Não sabia, porém, se o amigo em comum com o senhor Cioran alertou o empresário sobre o tipo de negócios em que ela se interessa. Optaria pelo caminho da precaução.

- É um prazer lhe conhecer, Nicolae Cioran. – sorri por ter dito o nome completo – Peço desculpa pelo local nada convencional, mas essa é a única hora do dia onde o senhor pode me encontrar com tempo vago...

Para ilustrar sua explicação, uma mulher que estava na festa se aproxima dos dois e inicia uma conversa trivial com Sartrè. Aquela interrupção dura alguns poucos minutos, o suficiente para atrapalhá-los e dar a deixa que a atriz tanto queria.

- Aqui será realmente impossível. – ela olha em volta em busca de algum local com maior privacidade – Vem comigo.

Sartrè toca de leve no ombro de Cioran para que ele a seguisse. Ela toma o caminho do bar, do balcão do bar para ser mais exato. Havia muitas pessoas em volta deles, mas ninguém ligaria para uma conversa ali naquele lugar. Angelina senta-se e espera que ele fizesse o mesmo.

Sartrè dá um tempo para que o homem absorvesse a idéia daquela conversa, para que lesse as explícitas entrelinhas.

Ela observa as reações do homem, procurando antecipar suas respostas e se preparando melhor para seguir na negociação.

Angelina inclina um pouco a cabeça, examinando as mãos do homem. Seu tom de voz mudou para algo mais melodioso, a expressão parecia mais feminina, e a conversa, indiscreta.

Até o momento em que Angelina tocou seu ombro e o conduziu até um balcão de bar reservado para que conversassem com um pouco de privacidade, Nicolae ainda a enxergava pelo estereótipo que tinha dos artistas em geral: uma pessoa sensível, refinada, cheia de vontades, egocêntrica, ingenuamente idealista e desligada dos aspectos práticos da vida. 

Mas o estereótipo desmoronou em segundos, assim que Angelina se revelou uma pessoa objetiva, ambiciosa, um tanto autoritária e sem escrúpulos. Foi uma surpresa e tanto, mas positiva. Nicolae gostou particularmente de ouvir a palavra "rica". Ele sempre soube que, para subir na vida, é preciso se unir a quem tem dinheiro. 

É verdade que ele não foi sempre cem por cento fiel a essa máxima, uma vez que se casou com Maria por amor, sem se incomodar nada por ela ser uma artista plástica nascida numa família de intelectuais judeus de classe média, o que a deixava longe de ser o par ideal para enriquecer rapidamente. Mas, no que diz respeito aos ciganos de Vancouver, Nicolae aproveitou sua ida para a universidade, em Montreal, para reduzir o contato com eles ao mínimo, ao mesmo tempo que buscou cultivar amizades com pessoas de nível social mais alto e/ou que tivessem bom potencial.

À medida em que ela falava, ia ficando cada vez mais explícito que seu cliente não havia adiantado detalhes da reunião porque se tratava de lavagem de dinheiro. Ao invés de responder logo à proposta, ele tomou um gole de uísque para deixá-la falar mais.

Ele termina o uísque e põe o copo sobre o balcão, antes de continuar. 

As últimas palavras saíram de seus lábios com um sorriso malicioso.

Nicolae sempre se sente satisfeito quando negocia em termos incisivos, como havia feito naquela hora. Mas a atitude e a resposta de Angelina o deixaram surpreso e confuso. Ela olha para suas mãos e, com um modo de falar e agir algo insinuantes, dispara:

Ele ficou sem saber que resposta dar, algo que raramente acontecia. Cogitou se ela estava propondo lhe fazer favores sexuais como parte das "muitas coisas" que prometera. Mas uma mulher realmente rica não precisaria disso para comprar serviços. Estaria atraída por ele, só com aquele breve contato? Nicolae não era particularmente bonito.

Não queria contar que os primeiros anos foram de felicidade absoluta, nem que nos últimos sete a relação desceu pela ladeira, nem que ele jamais havia traído a esposa. Todavia, uma mulher com aquela aparência e aquele modo de falar podia mexer com qualquer um… Colocou as ideias em ordem para sondar melhor quais seriam as intenções dela. 

Thomas Monroe, o falecido esposo de Sartrè – que Deus ou o diabo o tenha – dizia que a maior qualidade dela era a sensibilidade. Na primeira vez que ouviu aquilo Angelina se espantou. Não sabia como o seu estilo de vida egoísta, egocêntrico e extremamente prático poderia combinar com sensibilidade. Mas o velho Monroe, em sua sapiência, havia acertado em cheio. Sensibilidade, no caso dela, implicava na habilidade em enxergar os tons de cinza ao invés de apenas o preto e o branco; a habilidade em se fazer outra pessoa e em descobrir as reais intenções dos outros. Preferiu o termo “empática” após a morte do velho.

Em sua empatia, ela sempre gasta bastante tempo em uma conversa observando nos outros seus gestos, tiques, a postura corporal, as palavras usadas... o olhar. Sabia distinguir um 'sim' quando alguém falava 'não'. Longe de se tratar de um vício teatral; sua análise servia para saber o que de fato a pessoa queria dizer. No caso de Nicolae, soube que ele aceitaria tudo o que foi dito e insinuado.

Em sua justificativa de homem fiel, Nicolae relata o desgaste do casamento. Angelina ouve com atenção e um sorriso pouco debochado no rosto. Observara ele esvaziar seu copo e colocá-lo sobre o balcão.

Sangue. Para ela.

Angelina se levanta do banco e se põe ereta à frente de Nicolae, oferecendo uma resposta prática para sua própria pergunta. Instintivamente, apenas por querer parecer mais atraente, suas habilidades naturais vampíricas entram em ação (Presença 1, Fascínio). Trava os seus olhos nos olhos dele e dá dois passos em sua direção, maximizando o efeito da sedução. A mão pequena, pálida e gelada toca no ombro do homem, mas Angelina desvia o corpo e o rodeia, passando por uma entrada lateral para dentro do balcão. Aproveitou ao sair brevemente de seu campo de visão para retirar um pequeno envelope com um pouco de GHB em pó de dentro da bolsa.

Os dedos de Angelina percorrem os vidros das garrafas até pararem naquela que continha whisky. Ela retira o item da estante de bebidas e coloca uma dose em um copo e depois outra em outro copo. Suas ligeiras mãos criminosas despejam o pó no copo que é em seguida servido a Nicolae – ela estava de costas para ele o tempo todo. Finge beber um gole, mas somente molha os lábios.

- 10% de comissão. E a porta do meu apartamento aberta...  - simula outro gole, estimulando assim que ele fizesse o mesmo – Mas você pode ganhar uma amostra grátis esta noite. Basta ligar para casa e dizer à sua fiel esposa que vai demorar mais do que havia previsto.

Dobra-se sobre o balcão e põe um cotovelo sobre a madeira; o outro braço é apoiado por completo. Permanece quieta enquanto espera pela resposta.

Angelina era bonita, sem dúvida. Mais do que Maria, sua esposa. Mais do que a maioria das mulheres que ele já havia conhecido pessoalmente; e nenhuma era mais bonita do que ela. Mas havia ainda algo além, um "it" a mais, revelado no momento em que ela se levantou com os olhos muito fixos nele. Foi quase como se um brilho surgisse naqueles olhos no momento em que ela se aproximou, com movimentos ao mesmo tempo decididos e lânguidos. O toque daquela mão no ombro do empresário mexeu com ele mais do que poderia imaginar, embora a camisa social e o blazer que estava usando não lhe permitissem sentir mais do que uma leve pressão.

As palavras repercutiram com força em sua cabeça. Sempre havia pensado em si mesmo como uma pessoa emocionalmente bem resolvida e também como um lutador, alguém que precisa superar desafios; nunca refletiu que esse espírito podia também fazer dele um eterno insatisfeito. E as promessas dela, embora muitas vezes vagas, eram bem altas. 

Ele já tinha na mão esquerda o copo que Angelina lhe havia oferecido e, sem pensar no que fazia, usou a direita para manejar o iPhone. O copo se manteve suspenso perto de seu queixo enquanto escutava as chamadas. Ele só guarda o celular depois do último toque.

Ele dá um pequeno gole. Fascinado, nem percebe que o sabor está um tanto salgado por causa do GHB. Se tivesse visto o "aditivo" que havia sido posto no copo, resistiria a beber. Sempre gostou de ter domínio sobre si mesmo e até sobre as pessoas em redor. Na faculdade, chegou a fumar haxixe e maconha umas poucas vezes quando avaliou que isso lhe permitiria se entrosar melhor com alguns amigos que poderiam ser úteis em sua ascensão. Mas sempre achou uma estupidez alterar o estado de consciência para obter prazeres puramente passivos. Para ele, o prazer maior não é se entregar a sensações. É vencer os próprios limites e também os dos outros! E, tanto para vencer como para saborear bem a vitória, é preciso estar lúcido. 

Ele pousou a mão na de Angelina, e achou-a branca e fria como mármore. Talvez tenha sido essa sensação tátil inesperada que lhe deu um primeiro ímpeto de forçar-se a prestar atenção no que estava fazendo.

Era óbvio que ele não estava satisfeito com seu casamento. Nos primeiros dois ou três anos após a noite que transformou uma mulher criativa, inteligente e alegre num ser melancólico e apático, ele ainda alimentou a esperança de que seu amor e suas atenções fariam com que ela voltasse ao normal. Também propôs e insistiu muito que eles tivessem logo um filho, mas não a convenceu. Conforme foi ficando claro que o amor não a salvaria, ele começou a se dedicar cada vez mais ao trabalho, a fim de não afundar juntamente com ela. Seus sentimentos esfriaram, mas ele sabia que era central na vida de Maria. 

Ao encarar novamente os olhos de Angelina para responder à proposta, um lampejo de culpa o assomou. Ele decidiu soltar a mão dela, mas foi acometido por uma sensação de perda ante essa ideia que tornava muito difícil colocá-la em prática. Interrompeu o que ia dizer para forçar-se a soltar aquela mão (gasto de 1 ponto de FdV). Mais um gole de "coragem líquida", e ele conseguiu. Começou a sentir as ideias mais claras quando se pôs a falar, embora sem uma grande convicção na voz.

A atitude mais ajuizada a tomar naquela hora seria entregar a ela um cartão para contato e despedir-se educadamente. Afinal, demoraria só alguns minutos até aquela droga considerada afrodisíaca começar a surtir efeito. Mas ele não sabia disso. E, para além do encanto sobrenatural de Angelina, a proposta dela tinha um efeito realmente tentador sobre ele. Nicolae queria mais prazer e emoção em sua vida pessoal.

Ele resistiria a passar a noite no apartamento de outra mulher. Mas também não queria se afastar de Angelina.

_______Interpretava o papel de sedutora na pele de uma bela e talentosa dama. A personagem se mostra inescrupulosa e interesseira, atiçando o imaginário de seu acompanhante. Nicolae, por sua vez, também mostrava falhas de caráter, como concordar – e depois discordar – em consumar a traição. Um idiota é o que ele é, saindo do papel e fugindo do roteiro pré-programado da noite, mal sabendo ele que, com um roteiro ou outro, a estória seguiria para o mesmo fim.

Angelina apenas observava sua curva de humor. Primeiro o telefone, depois a mão sobre a mão e depois a negativa. Como se resgatado do profundo encantamento de uma sereia, ele alcança à superfície no último momento antes do bote da criatura. Retorna à consciência racionalizando sobre sua porcentagem. O árduo esforço de sua vontade, no entanto, não abala a confiança de Angelina, que em seu primeiro passo no novo script permanece em um prolongado silêncio. Por um bom tempo apenas são trocados olhares entre eles e entre Angelina e pessoas ao longe na festa. Quando ela decide romper o silêncio ainda tinha a atenção de Nicolae.

Limita-se a dizer antes de um novo período de silêncio, no qual ela dedica a flertar mais uma vez com o homem ao trocar olhares insinuantes, tentando convencê-lo a voltar atrás sobre a idéia de prazer e negócios. Estendendo um pouco mais a “trégua” entre os dois, Angelina cumprimenta com algumas palavras uma senhora que passava por perto, despedindo-se da atriz antes de deixar o Centennial. Despedidas feitas, eram somente os dois novamente – ainda mais agora que o grupo que conversava próximo à eles deixou o local.

- Bem, Nicolae... Agora que entramos em acordo, acho que posso lhe adiantar mais detalhes. – simula outro gole e continuaria a simular enquanto o copo dele ainda tivesse bebida – Eu tenho o dinheiro em mãos e o meu alvo definido. São $500.000,00 pelo Roxy Nigthclub $550.000,00 se contarmos sua parte. O que conseguir reduzir dessa pedida vai diretamente para o seu bolso.

Uma pausa para que ele absorvesse a informação. Ela aproveita e explica com detalhes o que é o Roxy e onde ele fica em Vancouver Downtown.

Sentada no banco à frente de Nicolae, Angelina aproveita-se da deixa da sua última fala e coloca a mão sobre a perna dele, inclinando o corpo à frente sem seguida.

O novo roteiro foi cumprido à risca: enrole o homem com silêncio e conversa fiada até a droga fazer efeito. Pela experiência da atriz, Nicolae deveria estar entrando na fase aguda do seu dopping. Ela se aproveita de não ter sofrido resistência na aproximação e faz o movimento para beijá-lo, mas seu rosto passa direto e os lábios repousam no pescoço dele. O beijo suave e molhado foi uma curta distração para o que veio a seguir. Os caninos de Angelina crescem de tamanho e se fincam com força – um pouco desproporcional, devido à falta de experiência dela – no pescoço de Nicolae. O ato em si, desde o contato até a mordida durou dois segundos, mas a alimentação, lenta e prazerosa, arrasta-se no tempo.

Enquanto sugava o sangue daquele corpo para si, a Setita sente-se realmente alimentando uma besta quase insaciável que lhe habitava o ser. O doce sangue, chamado agora de vitae, inunda-a com um prazer indescritível, somente comparado com a sensação que o GHB também lhe proporcionava. É claro que seria muito melhor com cocaína ou cristal, mas o relaxamento que começava a sentir também lhe agrada bastante.

Ela toma do sangue de Nicolae até sentir-se saciada, e então retira as presas de seu pescoço, lambe as duas pequenas feridas e se afasta dele, inclinando o corpo para trás. Para todos os efeitos, aquilo havia sido apenas um belo beijo entre namorados.

- Eu tenho que ir, Nicolae. – sua voz sai fina e trêmula no início – Me ligue assim que tiver notícias sobre a compra ou se quiser um pouco mais de aventura em sua vida.

Angelina afasta-se do homem e sem se despedir de mais ninguém deixa o Centennial. Um carro a esperava do lado de fora com um motorista. Ela se esforça para parecer normal, mas assim que entra na privacidade do veículo se derrama sobre o banco traseiro. Os braços se esticam para o alto e para frente, o pescoço afunda no encosto, os  olhos se mantém o tempo todo fechados. Durante a viagem de volta à mansão Angelina recurva-se toda gozando do mais absoluto prazer.